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Um país sem Justiça

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Abelardo Jurema Filho

No momento em que o nosso país respira um clima de inquietante de instabilidade institucional, com as relações entre os poderes constituídos seriamente ameaçadas por conta do radicalismo, falta de bom senso e intolerância que tomaram conta do Brasil de hoje; quando muitos proclamam o desmonte do Poder Judiciário e do Supremo Tribunal Federal, me vem à lembrança uma cena insólita que marcou a minha infância na rua Cesário Alvim quando vivíamos uma situação semelhante, com ameaças da quebra da ordem constitucional e de golpe contra a democracia.  Era fevereiro de 1964, às vésperas da chamada “Revolução de 64”, como denominam alguns, ou do “Golpe Militar”, como preferem outros, que marcou a história brasileira. O Rio de Janeiro, então a principal caixa de ressonância da política brasileira, vivia momento de forte ebulição sob a liderança de Carlos Lacerda, udenista histórico e uma das vozes mais eloquentes da oposição ao governo do presidente João Goulart, do qual meu pai era o Ministro da Justiça.  Além de um político habilidoso, que sabia tirar partido das situações mais adversas, como aconteceu no episódio do “atentado” da Rua Toneleros e o suicídio de Getúlio Vargas, Lacerda era um homem ardiloso, de raciocínio rápido, e demolidor no combate aos adversários – e até aliados – que se interferiam em seu caminho. O lacerdismo era uma praga a disseminar teorias conspiratórias e disposto a demolir também o processo democrático em vigor no País.  Pois foi dentro desse quadro de insegurança e apreensão, que a família do ministro Abelardo Jurema foi acordada no dia 15 de fevereiro, às 5h da manhã, recebendo a visita de soldados uniformizados que se perfilavam em frente à nossa residência. Foi um alvoroço quando alguém alardeou: “estão invadindo a casa!”  Meu pai levantou-se e, vestiu-se rapidamente com um hobby de chambre vermelho, e foi até à porta para ver o que acontecia. Foi surpreendido com o toque do Alvorada, realizado pela banda da Polícia Militar, que lhe prestava reverência pela passagem do seu aniversário. Jurema ouviu até o Hino Nacional, aceitou a homenagem, mas sem disfarçar a sua contrariedade.  O coronel responsável por aquela pantomima, percebendo que não havia agradado muito, perguntou:  - O senhor não gostou da surpresa, Ministro?  - Gosto de surpresas quando sou avisado antes.  Pouco mais de um mês depois daquela honraria militar, Abelardo Jurema foi preso por oficiais do Exército, no aeroporto Santos Dumont, quando pensava viajar a Brasília e reassumir o seu mandato de deputado federal pela Paraíba.  Não conseguiu: àquela altura não haviam mais direitos.  Nem Justiça. E ninguém a quem recorrer.  Jurema foi para o exílio de onde só retornou quando o último dos 11 inquéritos abertos contra ele foram arquivados, por falta absoluta de provas, mesmo sem apresentar advogado de defesa. E só teve de volta os seus direitos, civis e trabalhistas, restabelecidos com a anistia assinada pelo presidente João Figueiredo, quase 20 anos depois. 

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